segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Conflito Político e Teológico: Judeus e Samaritanos [Parte 1 de 2]



                         Panorama da região histórica de Samaria, atual Cisjordânia.




Por Daniel Vicente*


O artigo visa abordar o debate político e teológico, entre Judeus e Samaritanos no contexto do novo testamento, nos relatos dos evangelhos identifica-se a choque entre as etnias que estão separadas culturalmente e politicamente, identificar como se formou o iniciou desta contestação, e entender os principais pontos divergentes, auxilia no entendimento da sociedade Israelita do primeiro século, vários são os grupos religiosos identificados na época, mas a disputa entre Judeus e Samaritanos é singular, pois ela transpõe as particularidades ritualísticas e afeta as relações pessoais dos povoados que são vizinhos em Israel, nessa discussão também se revela as similaridades da fé monoteísta, alicerçada na identificação da autenticidade do culto Javista disputada pelas comunidades.


INTRODUÇÃO

A disputa intensa entre as etnias gerou um sentimento de conflito entre Judeus e Samaritanos no primeiro século, fator esse que percorre todo o relato do Novo Testamento, e sobre tudo no evangelho de João, que no diálogo entre Jesus e a mulher samaritana, torna-se evidente qual era o contexto social desenvolvido nas duas comunidades, o que chama a atenção nesse sentido são as mudanças identificadas no desenvolvimento dos textos, nas citações referidas a Samaria, e como os cristãos lidaram com a situação de diferença existente na época, primeiramente deve-se identificar como desenvolveu-se historicamente esse sentimento entre as comunidades.
Os Judeus descendentes de Abrão obtém nele seu referencial e a base religiosa que desenvolveu-se através do monoteísmo, pelo meio da promessa direcionada por Deus a ele:


Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!
Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.
(Gn 12:1-3 ARA)


Essa promessa cumpriu-se através da família de Abraão e sua descendência que depois de 400 anos no Egito retornou para habitar a terra que Deus tinha designado para o patriarca Abraão, esse povo alcançou o alge na conquista da terra santa através do reinado de Davi que depois de matar o gigante filisteu Golias, tornou lema do seu exército lutar em nome do SENHOR dos Exércitos” (BÍBLIA,
A.T.     1Samuel 17:45 ARA), o alge financeiro dos Judeus veio sobre a administração do Rei Salomão que instituiu a centralização do culto Judeu através da construção do Templo, isso fez com que todo o Israel estivesse unido para prestar culto a Javé, mas os custos do referido Templo também fizeram com que os impostos arrendados obtivessem um acréscimo considerado insuportável para as tribos que eram confederadas ao regime do reinado de Salomão, isso se tornou insustentável com a morte do rei, no advento da sucessão ao trono através seu filho Roboão (926-910 a.C), ele decretou um aumento que fez com que as tribos do Norte, lideradas por
Jeroboão rompessem com a união entre as tribos e instituísse assim uma nova ordem com um Israel dividido, entre o Reino do sul e o Reino do Norte.


REINO DO SUL

O Reino do sul é identificado pelas tribos de Judá e Benjamim, que seguiram sua liturgia cultiva atrelada a função da manutenção e centralidade do Templo de Salomão, a linhagem dos reis sempre esteve a cargo dos descendentes do Rei Davi, alvo da promessa de Deus, os quais eram denominados como “casa de Davi” (BÍBLIA, A.T. 2Cronicas 21:7 ARA), isso sempre despertou um sentimento de individualidade e superioridade por parte dos Judeus, que mantinham um relacionamento de desavença com as demais tribos do Reino do Norte.


REINO DO NORTE

O Reino do Norte manteve-se com uma liturgia diferente da desenvolvida no Sul, decorrência do abuso de impostos do Templo alicerçada pelo Rei Roboão (filho de Salomão), a construção de altares foi desencadeada pelo Rei Jeroboão e seus respectivos sucessores, isso fez com que na cidade de Siqm onde outrora Deus aparece a Abrão, Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR (BÍBLIA, A.T. Genesis 12:7 ARA), esse lugar de culto no tempo do patriarca, foi reutilizado nos dias do Reino do Norte como um local de culto a Javé, fato que contribuiu para crescimento de um sentimento de disputa entre Judeus e Samaritanos.


INÍCIO DA CONTENDA

Esse sentimento de disputa aumentou com o passar dos anos, os sucessivos governos que se desenvolveram nos dois reinos alargaram consideravelmente suas diverncias até serem levados para o cativeiro, John Thompson narra assim o cerco a Samaria:

Siquém foi capturada e Samaria cercada. O rei Oséias foi preso fora da cidade e deportado antes da queda de Samaria (2Rs 17.4). O sítio durou quase três anos, mas, em agosto ou setembro de 722 a.C. a cidade caiu. Salmaneser V levou exilados para terras da Assíria, como Guzana (Goza) e Hara ( l C r 5.26). Com o passar do tempo, esses exilados chegaram àsprincipais cidades de Ninrude (Calá) e Nínive, onde nomes israelitas foram encontrados cm registros escritos. Os óstracos de Ninrude e Nínive contêm 22 nomes israelitas, Laís como Menaém e Oséias. THOMPSON.2004 p, 162)


Essa narrativa manifesta de forma direta como ocasionou o fim do Reino do Norte cativo por Salmaneser V, e o Reino do Sul também foi subjugado pelo Rei Nabucodonosor, mas foi a divisão posterior no período do império Persa que com sua forma de governo dividiu os territórios e contribui para a diferença entre as tribos, Thompson completa:


Essas unidades maiores foram então divididas em províncias menores, cada uma com seu próprio administrador. Uma delas, definida por Heródoto como a quinta, "Além do Rio [Transpotâmia]", parece ter sido subdividida em rias províncias, Entre elas Judá, Samaria, Amom, Asdode e Arábia. (THOMPSON. 2004 p, 163)


As províncias eram governadas por uma mesma Satrapia no governo Persa, então Judá e Samaria obtinham o mesmo peso no império, mas Judá era vista com olhos diferente pelas províncias vizinhas, dado ao seu histórico de independência militar com suspeita de possível expansão territorial (THOMPSON. 2004).
Isso fez com que a contenda relatada pelo livro de Neemias e Esdras estivessem no alvo e na mente  do  exército  de  Samaria  (BÍBLIA,  A.T. Neemias 4:2 ARA), que entendiam que na reconstrução da cidade de Jerusalém, continha uma ameaça do avanço militar dos Judeus, que colocariam em risco a estabilidade de Samaria, neste contexto o Francis Schmidt (1998, p. 99) narra a história de Manassés o apostata que saiu de Jerusalém para casar-se com a filha do Satrapia de Samaria, e também ajudar a construir o templo de Garizim:


Ainda que banido e proclamado apóstata, Manassés nem por isso deixa de se considerar judeu. A ruptura dos laços comunirios, que o ligam á sua terra, a seus antepassados, a seu Deus, é para ele intolerável. Também forma com Sanabaletes o projeto de fazer edificar sobre o monte Garizim um templo semelhante, ponto por ponto, ao de Jerusam. O governador de Samaria promete a seu genro que ele será seu primeiro sumo sacerdote. Como havia temido os anciãos de Jerusalém, o exemplo de Manassés alastra-se. Numerosos sacerdotes e israelitas celebram matrimônios semelhantes, e a grande agitação apodera-se dos hierosolimitas” (SCHMIDT,1998 p. 100)


Isso despertou um sentimento contrário no povo Judeu, que passou a ter repulsa pelo povoado de Samaria, esse sentimento permeia até a literatura histórica contemporânea do Novo Testamento.
O historiador judeu no século I Flavio Josefo, relata esse período de disputa na reconstrução do Templo de Jerusalém:


No entanto os samaritanos, que além do ódio e da inveja que tinham de nossa nação, não podiam tolerar a obrigação de contribuir com as coisas necessárias para os nossos sacricios e além disso se vangloriavam de ser do mesmo país que os persas, não deixavam do mesmo modo de nos fazer todo o mal que podiam. (JOSEFO, 1992. p. 493)


O historiador Josefo escreveu para o império Romano no século I, com o fim de elucidar os conflitos existentes, e em sua explicação demostra os seu pensamento Judeu na diferença étnica presente de sua época, que está atrelada ao fundo histórico no Novo Testamento.

[Continua...]

Para ler a parte 2 deste artigo, clique aqui.



Sobre o autor:
*Daniel Vicente. Membro da Igreja Assembleia de Deus em Pinhais, Superintendente de Escola Dominical da IEAD em Pinhais, Professor do Curso Ministerial ENSINAI, Professor do Curso Ministerial IBADEP. Professor-Tutor do Curso de Teologia Ministerial da Faculdade São Braz (FSB). Bacharel em Teologia pela Faculdade Cristã de Curitiba (FCC), Pós Graduado em Educação a Distância pela Faculdade São Braz (FSB), Pós-graduado em Metodologia do Ensino Religioso pela Faculdade São Braz (FSB) Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Escreve semanalmente neste Blog sobre os temas: "Exegese" e "Teologia Joanina".



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3 comentários:

  1. Grande abraço a todos do teologia com propósito.

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  2. Grande estudo , amigo Daniel ! Que Deus continue abençoando à todos os que amam sua Palavra.

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