segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Glossolalia ou Xenoglossia? [PARTE 1]





Transcrição do debate entre os teólogos Luís Roberto de Souza e Renato Oliveira Pimentel, sob o tema: "Glossolalia ou Xenoglossia?", ocorrido dia 22 de Outubro de 2016 no Grupo de Estudos “Teologia com Propósito”.




Luís Roberto de Souza:
“Neste debate vou defender o dom de línguas como a xenoglossia, ou seja, creio que em toda a referência que a Bíblia faz deste dom é uma manifestação de um dom que consiste em o cristão falar em um idioma humano sem ter aprendido previamente. Tal capacitação é o chamado dom de línguas referenciado por Lucas em Atos, Marcos no evangelho e Paulo na sua primeira carta aos Coríntios.”


Renato Oliveira Pimentel:
“Eu irei defender a Glossolalia, que inclusive é uma palavra que se encontra nas escrituras gregas em detrimento de Xenoglossia que não se encontra. Pretendo para isso me ater à hermenêutica e exegese bíblica, somente, dispensando portanto todo empirismo envolto no assunto.”


Confira abaixo o desenvolvimento da primeira parte deste debate, em formato de perguntas, respostas, réplicas e tréplicas. As intervenções do moderador não foram colocadas. Para ler a segunda parte, clique aqui


Luís Roberto de Souza:
Antônio Gilberto, ícone da teologia pentecostal, e referência para os teólogos do Brasil todo faz a seguinte definição de Sã doutrina: "Doutrina bíblica é um ensino normativo, terminante, final, extraído das Sagradas Escrituras e concernente à fé em Deus e à prática da vida cristã. Esse ensino deve ser desdobrado em pormenores e embasado com a apropriada referenciação bíblica. Ela é chamada de ‘a sã doutrina’" (Tt 2.1). Eu gostaria de saber baseado nesta definição quais são os desdobramentos pormenores e embasamentos e a referenciação bíblica quê provam ser o dom de línguas um idioma não humano?


Renato Oliveira Pimentel:
Luís, eu gostaria de começar, desfazendo qualquer tipo de vínculo aparente com Antônio Gilberto, até porque ele é pentecostal clássico e nesse tema eu sou carismático. Dito isso, eu, assim como a grande maioria de teólogos, pastores e todo tipo de Cristão, embaso meu argumento, nas descrições bíblicas do comprimento do fato e nos textos doutrinários que tratam a respeito dele. Para começo de conversa, vou citar como exemplo o texto de 1 Coríntios 14.2 que diz: "Pois quem fala em língua não fala aos homens, mas a Deus. De fato, ninguém o entende; em espírito fala mistérios." E no decorrer do debate pretendo mostrar outros argumentos que apoiam esse pensamento.


Luís Roberto de Souza:
Renato, quero deixar claro que não foi objetivo ao citar o referido  teólogo fazer quaisquer  ligações com vosso modo de pensar. Porém o referido apesar de não ter vínculos com todos é una referência a todos. Perdoe-me se pareceu algo dessa natureza. Realmente sua citação de coríntios era inevitável. Aliás, é o texto áureo dos defensores da glossolalia. Porém a ampliação do Debate será ótima para a elucidação de alguns fatores que corroboram para que tal verso seja uma base para a glossolalia. Quero lembrar sobre o argumento básico de que toda vez que um leitor primitivo entendia uma palavra inspirada está palavra deve ter o mesmo significado para nós hoje, isso é princípio básico de exegese, tentar entender o texto como seus primeiros destinatários entenderam. Paulo usa uma palavra grega que só era utilizada para se referir ao órgão humano língua ou idiomas humanos. A afirmação de que o verso se trata de idioma não humano é uma conclusão tirada após a fuga do contexto. Isso ficará claro mais adiante. Por ora eu afirmo que o leitor original entendeu idioma humano e você infere que não. Portanto dar um significado diferente a um termo é necessário para firmar a glossolalia.


Renato Oliveira Pimentel:
Bem, diante da sua afirmação, irei apresentar uma interpretação do texto grego para ti. "Porque o que fala língua estranha não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de mistérios." (1Corintios 14:2)
"Aos homens" "anthropos" (ανθρωπος) não esta fazendo distinção de idioma nem que qualquer outra coisa de quem quer que seja, esta dizendo que não fala aos homens de forma Geral.
"Senão a Deus" a palavra senão, tem um objetivo muito claro de estabelecer uma única exceção. É a palavra Grega "αλλα" e quer dizer exatamente isso "Uma única objeção ou exceção". Quem é? Deus!
"Ninguém o entende" Ninguém, do grego (ουδεις) quer dizer exatamente isso mesmo "Nada ou ninguém" salvo exceção já citada (Deus) logicamente. Se ninguém é capaz de o entender, é claro que não se trata de um idioma conhecido de outros. Esse é o sentido de "ουδεις" (nada ou ninguém) abrange não só pessoas ou coisas presentes, mas tudo que existe.
"Fala mistérios" Mistério ou "μυστηριον" pode também ser traduzido por "algo secreto ou desconhecido", é disso que se trata. A língua não é um idioma conhecido, mas uma língua secreta, conhecida somente por Deus que tem por finalidade a edificação "do indivíduo" que quando fala em línguas, ora em Espírito, inspirado pelo Espírito Santo de Deus.


Renato Oliveira Pimentel:
Luís, qual a utilidade do dom de idiomas? Para que fim ele foi concedido?


Luís Roberto de Souza:
A utilidade pode ser definida quando se respeita o contexto. Cristo prometeu novas línguas e sinais para que fossem ferramentas de expansão ao evangelho. Os defensores da glossolalia concluem que a utilidade é uma comunicação num nível espiritual onde a pessoa não entende e é edificada. Dizem isso baseado no verso de 1 Coríntios 14 e se esquecem de comparar com o restante do NT.
Paulo é enfático ao longo do Capítulo 14 de 1coríntios em chamar o povo a um uso do Dom como comunicação entre pessoas. Paulo chega a afirmar que o dom de línguas é um sinal para descrentes ou infiéis. Paulo ainda infere que se houver entendimento na comunicação pessoas poderiam ser chamados à graça.
Portanto Cristo num contexto de evangelização ou ordem e delegação missionária deu tal promessa e nos avivamentos de atos ficam claro e evidente a progressão e sua confirmação com a chegada do Espírito Santo e o dom de línguas norteando os apóstolos de que era obra de Deus. Pregar o evangelho num tempo crítico e conturbado sem o domínio da língua somente pela ação do Espírito Santo.


Renato Oliveira Pimentel:
Cristo prometeu novas línguas e sinais para que fossem ferramentas de expansão ao evangelho. Não me lembro de Cristo dizendo que o dom de línguas seria uma ferramenta para expansão do evangelho. Mas claro que isso é uma inferência sua.
Pregar o evangelho num tempo crítico e conturbado sem o domínio da língua somente pela ação do Espírito Santo. Acredito que nesse comentário também te faltou o contexto histórico. Todos os povos falavam o Grego naquele tempo, daí o motivo do NT ter sido escrito nesse idioma!

"Os judeus convertidos que vieram com Pedro ficaram admirados de que o dom do Espírito Santo fosse derramado até sobre os gentios, pois os ouviam falando em línguas e exaltando a Deus. A seguir Pedro disse:" (Atos 10:45, 46)

"Quando Paulo lhes impôs as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e começaram a falar em línguas e a profetizar." (Atos 19:6)

Esses textos (entre outros) negam a "verdadeira" função do dom de línguas?

Afinal, nesses textos, não há ninguém de outro idioma entendendo as línguas que estão sendo ditas, se era simplesmente para mostrar que Deus estava também com os gentios, poderia haver muitos outros métodos que não fosse um dom de "tradução simultânea", não acha?


Luís Roberto de Souza:
Renato,
Não precisa lembrar porque está registrado basta apenas ler e aceitar. Se você ignorar que em Atos 2 houve assombroso espanto por  parte de muitos em ver galileus falando outros idiomas e se você ignorar que mais adiante diante de muitos o fato de galileus estarem sendo eloquentes na comunicação aí sim você poderá dizer que o grego ou aramaico ou qualquer outra língua era a língua universal dispensando assim a presença de idiomas humanos. Creio que faltou neste comentário o contexto de atos não foi por minha parte.
Sobre ninguém no texto falar idioma volto a repetir esqueça a palavra glossia e poderá inferir que em Atos 2 não houve xenoglossia. Suas citações de Atos não provam nada o que queres provar até que mudes o significado de glossia.


Luís Roberto de Souza:
Renato, no texto de 1 Coríntios 14 temos alguns elementos/personagens usados por Paulo para explicar a dinâmica do dom de línguas no culto como seguem as referências: verso 11 "bárbaro", que significava para os leitores originais um estrangeiro que obviamente teria outro idioma. Verso 16 "indouto", que significava para o leitor original alguém com pouco conhecimento quê não entenderia um idioma que não fosse o nativo.
Tendo em mente estes dois personagens eu gostaria de perguntar se Paulo estava querendo dizer que alguém que apresentasse características inversas a ele teriam condições de interpretar um cristão falando num idioma não humano. Ou seja, se assumirmos que o texto fala em idiomas não humanos e Paulo disse que estrangeiros e pessoas menos cultas não poderiam entender eu posso deduzir que pessoas presentes da mesma nacionalidade e pessoas, e eruditos podem compreender tal idioma?


Renato Oliveira Pimentel:
Você está falando do vs. 11 que diz: "Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim."
"barbaros" (βαρβαρος) significa --> "alguém que fala uma língua estranha que não é entendida por outro". Essa palavra é perfeita para representar uma língua desconhecida ou "estranha" como se costuma chama-la.
Indouto ou ιδιωτης (idiotes) se refere a alguém que não desenvolver habilidades em qualquer área. É aparente a menção ao indivíduo que não tem o dom de interpretação...
Portanto, você partiu de interpretação equivocada para fazer a sua pergunta. Mas vou tentar responde-la.
Sim!
Deus pode entender essa fala porque para ele não é barbara (desconhecida) e os que não são ιδιωτης (idiotes) no dom de interpretação também pode dizer o amém.


Luís Roberto de Souza:
Renato,
Percebeu como os elementos que Paulo usa apontam para idiomas humanos? Percebes como a pessoa que é o alvo das línguas são estrangeiros e até pessoas  sem preparo acadêmico ou incultas. Sua explicação sobre "mistérios" ou "fala a Deus e não a homens" foi boa desde que seja esquecido outros elementos do texto. Logo é preciso apreciar todo o tratado e não dois ou três elementos linguísticos tirando os fora de seu significado usual e concluir. Mistério é mistério a partir do momento em que não há entendimento e só DEUS entende tudo.
Outro ponto é que indouto não é alguém que não tenha o dom de interpretação.
Isso é impossível de assumir sem usar a mesma regra a outros dons também. Daí o problema teria proporções catastróficas. Indouto é quem não tem entendimento de algo e não alguém que não tem um dom. Isso é mais uma forçada do entendimento pentecostal.
Sobre bárbaros é perfeito para falar e de estrangeiro e idiomas humanos.  Se fosse idioma não humano Paulo acertadamente faria uso de termo equivalente... anjo.. ET's etc...
Nunca se usa "estrangeiro" humano para contrapor alguém que não seja humano e fale algum idioma. Portanto, você precisa dizer novamente que "uma coisa" não significa "uma coisa" e "outra coisa" não significa"outra coisa". Isso é a base exegética da pneumatologia pentecostal ou carismática como preferir. Estrangeiro é homem. Indouto é alguém pouco entendido. Respeitando palavra e significado.


Renato Oliveira Pimentel:
Foi muito bom, apesar de eu não ter dito "estrangeiro" e sim  "desconhecido".
Minha pergunta mais uma vez é bem simples. Como eu disse, bárbaro não quer dizer estrangeiro. A palavra estrangeiro no grego é αλλογενης (allogenes), como foi usada por Jesus em Lucas 17:18 quando ele diz "Não houve, porventura, quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?". A palavra Barbara se refere a "alguém que fala uma língua estranha que não é entendida por outro". E o que disse sobre indouto é que ela se refere a alguém que não desenvolveu habilidades em alguma área, nesse contexto o dom de interpretação.


Renato Oliveira Pimentel:
"Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus." (1 Coríntios 14:28).
Se o dom é para a pregação do evangelho, então porque Paulo da um conselho tão contrário (aparentemente) ao propósito do dom?


Luís Roberto de Souza:
Renato,
Paulo não põe contradição alguma com a afirmação supracitada. Perceba a reação de Pedro ao citar o episódio na Casa de Cornélio.  Pedro diz que eles bendiziam a Deus. Paulo também diz sobre louvar a Deus em espírito e com entendimento. Os pentecostais dizem se tratar de algo que ninguém vai saber ou ninguém vai entender. Daí você pode afirmar que louvar a Deus e pregar o evangelho não são a mesma coisa, mas não irá provar biblicamente.
O livro de salmos é um bom exemplo de que louvores a Deus falam sobre Deus e assim o evangelho é pregado. Mas respondendo de fato: porquê não haverá a pregação e a ordem do culto será prejudicada


Renato Oliveira Pimentel:
Obrigado pela resposta querido Luís! Não pretendo me ater a discussão de o louvor ser ou não uma forma de pregação, mas sim ao fato de sendo ele ou não uma forma de pregação, de nada adiantaria ele louvar/pregar se não havia ouvinte para ser alcançado por essa pregação! Se o dom, havia sido dado por Deus para o fim de pregar a palavra, Paulo está equivocado em seu conselho quando diz: "Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus." (1 Coríntios 14:28). Mas eu tendo a acreditar que o equivoco e da sua interpretação e não da do Apostolo Paulo que escreve Inspirado pelo Espírito Santo!


Luís Roberto de Souza:
Renato, você perguntou:
Se o dom é para a pregação do evangelho, então porque Paulo da um conselho tão contrário (aparentemente) ao propósito do dom?
Minha resposta resumida foi:
Porque não haverá a pregação e a ordem do culto será prejudicada.
Portanto você não concordar é diferente de eu não ter respondido.
Mais uma fuga cinematográfica do contexto. Paulo aqui não quer tratar sobre o que era o dom de línguas, mas quer normatizar seu uso que estava sendo extrapolado e sem cumprir seu objetivo. Ora se não há intérprete logo não há entendimento e se não há entendimento não há culto é uma lógica simples quando se respeita o contexto. 
Qual igreja trás um estrangeiro para pregar sem quê haja quem interprete? Portanto não há equívoco em Paulo ele ali como está registrado está tratando com crianças espirituais, mimadas coniventes com o pecado. Se não há entendimento então cale-se, pois não haverá pregação da palavra. Paulo faz um uso do extremo para priorizar a pregação. Paulo estava cerceando a irresponsáveis e prezando pela palavra. Ele preferia ser entendido. Ele preferia que todos fossem edificados. Quando não há intérprete nada disso ocorre. Eu respondo esta pergunta dizendo: Paulo prezou pela pregação.


Para ler a segunda parte, clique aqui



Sobre os debatedores:

Luis Roberto de Souza
Casado, 37 anos, Técnico em Eletrotécnica, graduando em Tecnologia de Construção de Edifícios, possui curso básico em teologia, estuda teologia de maneira autodidata, é cristão Batista de tradição histórica. Administrador do Grupo de Estudos "Teologia com Propósitos". Co-Editor do Blog. Escreve semanalmente sobre o tema: “Teologia Paulina”. Contato: robertoluissouza78@gmail.com


Renato de Oliveira Pimentel
Casado, 23 anos, Técnico em Informática, Bacharel em Teologia pela Faculdade Betesda e Pastor local na Igreja Assembleia de Deus em Nanuque - MG.



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6 comentários:

  1. Muito bom esse debate.

    Parabéns a todos.

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  2. Onde está o restante do debate? Ainda será postado?

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  3. Parabéns aos debatedores. Ótimo debate.

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  4. muito , eu estive ausente do gp nesse dia , o nivel foi excelente , houve um pouco de infedelidade intelectual do Renato com relação aos textos mas foi muito bom e proveitoso, parabens aos dois e a gestão do TP.

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