Transcrição do debate entre os teólogos Luís Roberto de Souza e Renato Oliveira Pimentel, sob o tema: "Glossolalia ou Xenoglossia?", ocorrido dia 22 de Outubro de 2016 no Grupo de Estudos “Teologia com Propósito”.
Luís
Roberto de Souza:
“Neste debate vou defender o dom
de línguas como a xenoglossia, ou seja, creio que em toda a referência que a
Bíblia faz deste dom é uma manifestação de um dom que consiste em o cristão
falar em um idioma humano sem ter aprendido previamente. Tal capacitação é o
chamado dom de línguas referenciado por Lucas em Atos, Marcos no evangelho e
Paulo na sua primeira carta aos Coríntios.”
Renato
Oliveira Pimentel:
“Eu irei defender a Glossolalia,
que inclusive é uma palavra que se encontra nas escrituras gregas em detrimento
de Xenoglossia que não se encontra. Pretendo para isso me ater à hermenêutica e
exegese bíblica, somente, dispensando portanto todo empirismo envolto no
assunto.”
Confira abaixo o
desenvolvimento da primeira parte deste debate, em formato de perguntas, respostas, réplicas e
tréplicas. As intervenções do moderador não foram colocadas. Para ler a segunda parte, clique aqui.
Luís
Roberto de Souza:
Antônio Gilberto,
ícone da teologia pentecostal, e referência para os teólogos do Brasil todo faz
a seguinte definição de Sã doutrina: "Doutrina
bíblica é um ensino normativo, terminante, final, extraído das Sagradas
Escrituras e concernente à fé em Deus e à prática da vida cristã. Esse ensino
deve ser desdobrado em pormenores e embasado com a apropriada referenciação bíblica.
Ela é chamada de ‘a sã doutrina’" (Tt 2.1). Eu gostaria de saber
baseado nesta definição quais são os desdobramentos pormenores e embasamentos e
a referenciação bíblica quê provam ser o dom de línguas um idioma não humano?
Renato Oliveira
Pimentel:
Luís, eu gostaria de
começar, desfazendo qualquer tipo de vínculo aparente com Antônio Gilberto, até
porque ele é pentecostal clássico e nesse tema eu sou carismático. Dito isso,
eu, assim como a grande maioria de teólogos, pastores e todo tipo de Cristão,
embaso meu argumento, nas descrições bíblicas do comprimento do fato e nos
textos doutrinários que tratam a respeito dele. Para começo de conversa, vou
citar como exemplo o texto de 1 Coríntios 14.2 que diz: "Pois quem fala em
língua não fala aos homens, mas a Deus. De fato, ninguém o entende; em espírito
fala mistérios." E no decorrer do debate pretendo mostrar outros
argumentos que apoiam esse pensamento.
Luís Roberto de
Souza:
Renato, quero deixar
claro que não foi objetivo ao citar o referido
teólogo fazer quaisquer ligações
com vosso modo de pensar. Porém o referido apesar de não ter vínculos com todos
é una referência a todos. Perdoe-me se pareceu algo dessa natureza. Realmente
sua citação de coríntios era inevitável. Aliás, é o texto áureo dos defensores
da glossolalia. Porém a ampliação do Debate será ótima para a elucidação de
alguns fatores que corroboram para que tal verso seja uma base para a
glossolalia. Quero lembrar sobre o argumento básico de que toda vez que um
leitor primitivo entendia uma palavra inspirada está palavra deve ter o mesmo
significado para nós hoje, isso é princípio básico de exegese, tentar entender
o texto como seus primeiros destinatários entenderam. Paulo usa uma palavra
grega que só era utilizada para se referir ao órgão humano língua ou idiomas
humanos. A afirmação de que o verso se trata de idioma não humano é uma
conclusão tirada após a fuga do contexto. Isso ficará claro mais adiante. Por
ora eu afirmo que o leitor original entendeu idioma humano e você infere que
não. Portanto dar um significado diferente a um termo é necessário para firmar
a glossolalia.
Renato Oliveira
Pimentel:
Bem, diante da sua
afirmação, irei apresentar uma interpretação do texto grego para ti. "Porque o que fala língua estranha não
fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de
mistérios." (1Corintios 14:2)
"Aos
homens" "anthropos" (ανθρωπος) não esta
fazendo distinção de idioma nem que qualquer outra coisa de quem quer que seja,
esta dizendo que não fala aos homens de forma Geral.
"Senão
a Deus" a palavra senão, tem um objetivo
muito claro de estabelecer uma única exceção. É a palavra Grega "αλλα"
e quer dizer exatamente isso "Uma única objeção ou exceção". Quem é?
Deus!
"Ninguém
o entende" Ninguém, do grego (ουδεις) quer dizer
exatamente isso mesmo "Nada ou ninguém" salvo exceção já citada
(Deus) logicamente. Se ninguém é capaz de o entender, é claro que não se trata
de um idioma conhecido de outros. Esse é o sentido de "ουδεις" (nada
ou ninguém) abrange não só pessoas ou coisas presentes, mas tudo que existe.
"Fala
mistérios" Mistério ou "μυστηριον"
pode também ser traduzido por "algo secreto ou desconhecido", é disso
que se trata. A língua não é um idioma conhecido, mas uma língua secreta,
conhecida somente por Deus que tem por finalidade a edificação "do
indivíduo" que quando fala em línguas, ora em Espírito, inspirado pelo Espírito
Santo de Deus.
Renato Oliveira
Pimentel:
Luís, qual a utilidade do dom de
idiomas? Para que fim ele foi concedido?
Luís Roberto de
Souza:
A utilidade pode ser
definida quando se respeita o contexto. Cristo prometeu novas línguas e sinais
para que fossem ferramentas de expansão ao evangelho. Os defensores da
glossolalia concluem que a utilidade é uma comunicação num nível espiritual
onde a pessoa não entende e é edificada. Dizem isso baseado no verso de 1 Coríntios
14 e se esquecem de comparar com o restante do NT.
Paulo é enfático ao
longo do Capítulo 14 de 1coríntios em chamar o povo a um uso do Dom como
comunicação entre pessoas. Paulo chega a afirmar que o dom de línguas é um sinal para descrentes ou infiéis. Paulo
ainda infere que se houver entendimento na comunicação pessoas poderiam ser
chamados à graça.
Portanto Cristo num
contexto de evangelização ou ordem e delegação missionária deu tal promessa e
nos avivamentos de atos ficam claro e evidente a progressão e sua confirmação
com a chegada do Espírito Santo e o dom de línguas norteando os apóstolos de
que era obra de Deus. Pregar o evangelho num tempo crítico e conturbado sem o
domínio da língua somente pela ação do Espírito Santo.
Renato Oliveira
Pimentel:
Cristo
prometeu novas línguas e sinais para que fossem ferramentas de expansão ao
evangelho. Não me lembro de Cristo dizendo que o
dom de línguas seria uma ferramenta para expansão do evangelho. Mas claro que
isso é uma inferência sua.
Pregar
o evangelho num tempo crítico e conturbado sem o domínio da língua somente pela
ação do Espírito Santo. Acredito que nesse comentário
também te faltou o contexto histórico. Todos os povos falavam o Grego naquele
tempo, daí o motivo do NT ter sido escrito nesse idioma!
"Os
judeus convertidos que vieram com Pedro ficaram admirados de que o dom do
Espírito Santo fosse derramado até sobre os gentios, pois os ouviam falando em
línguas e exaltando a Deus. A seguir Pedro disse:"
(Atos 10:45, 46)
"Quando
Paulo lhes impôs as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e começaram a falar
em línguas e a profetizar." (Atos 19:6)
Esses textos (entre
outros) negam a "verdadeira" função do dom de línguas?
Afinal, nesses
textos, não há ninguém de outro idioma entendendo as línguas que estão sendo
ditas, se era simplesmente para mostrar que Deus estava também com os gentios,
poderia haver muitos outros métodos que não fosse um dom de "tradução
simultânea", não acha?
Luís Roberto de
Souza:
Renato,
Não precisa lembrar
porque está registrado basta apenas ler e aceitar. Se você ignorar que em Atos
2 houve assombroso espanto por parte de
muitos em ver galileus falando outros idiomas e se você ignorar que mais
adiante diante de muitos o fato de galileus estarem sendo eloquentes na comunicação
aí sim você poderá dizer que o grego ou aramaico ou qualquer outra língua era a
língua universal dispensando assim a presença de idiomas humanos. Creio que
faltou neste comentário o contexto de atos não foi por minha parte.
Sobre ninguém no
texto falar idioma volto a repetir esqueça a palavra glossia e poderá inferir que em Atos 2 não houve xenoglossia. Suas citações de Atos não
provam nada o que queres provar até que mudes o significado de glossia.
Luís Roberto de
Souza:
Renato, no texto de 1
Coríntios 14 temos alguns elementos/personagens usados por Paulo para explicar
a dinâmica do dom de línguas no culto como seguem as referências: verso 11 "bárbaro", que significava
para os leitores originais um estrangeiro que obviamente teria outro idioma. Verso
16 "indouto", que
significava para o leitor original alguém com pouco conhecimento quê não
entenderia um idioma que não fosse o nativo.
Tendo em mente estes
dois personagens eu gostaria de perguntar se Paulo estava querendo dizer que
alguém que apresentasse características inversas a ele teriam condições de
interpretar um cristão falando num idioma não humano. Ou seja, se assumirmos
que o texto fala em idiomas não humanos e Paulo disse que estrangeiros e
pessoas menos cultas não poderiam entender eu posso deduzir que pessoas
presentes da mesma nacionalidade e pessoas, e eruditos podem compreender tal
idioma?
Renato Oliveira
Pimentel:
Você está falando do vs. 11 que diz: "Mas, se eu ignorar o sentido da voz,
serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para
mim."
"barbaros" (βαρβαρος)
significa --> "alguém que fala uma língua estranha que não é entendida
por outro". Essa palavra é perfeita para representar uma língua
desconhecida ou "estranha" como se costuma chama-la.
Indouto ou ιδιωτης (idiotes) se refere
a alguém que não desenvolver habilidades em qualquer área. É aparente a menção
ao indivíduo que não tem o dom de interpretação...
Portanto, você partiu de interpretação
equivocada para fazer a sua pergunta. Mas vou tentar responde-la.
Sim!
Deus pode entender essa fala porque
para ele não é barbara (desconhecida) e os que não são ιδιωτης (idiotes) no dom
de interpretação também pode dizer o amém.
Luís Roberto de
Souza:
Renato,
Percebeu como os
elementos que Paulo usa apontam para idiomas humanos? Percebes como a pessoa
que é o alvo das línguas são estrangeiros e até pessoas sem preparo acadêmico ou incultas. Sua
explicação sobre "mistérios" ou "fala a Deus e não a
homens" foi boa desde que seja esquecido outros elementos do texto. Logo é
preciso apreciar todo o tratado e não dois ou três elementos linguísticos
tirando os fora de seu significado usual e concluir. Mistério é mistério a
partir do momento em que não há entendimento e só DEUS entende tudo.
Outro ponto é que
indouto não é alguém que não tenha o dom de interpretação.
Isso é impossível de assumir sem usar
a mesma regra a outros dons também. Daí o problema teria proporções
catastróficas. Indouto é quem não tem entendimento de algo e não alguém que não
tem um dom. Isso é mais uma forçada do entendimento pentecostal.
Sobre bárbaros é
perfeito para falar e de estrangeiro e idiomas humanos. Se fosse idioma não humano Paulo
acertadamente faria uso de termo equivalente... anjo.. ET's etc...
Nunca se usa "estrangeiro"
humano para contrapor alguém que não seja humano e fale algum idioma. Portanto,
você precisa dizer novamente que "uma coisa" não significa "uma
coisa" e "outra coisa" não significa"outra coisa". Isso
é a base exegética da pneumatologia pentecostal ou carismática como preferir. Estrangeiro
é homem. Indouto é alguém pouco entendido. Respeitando palavra e significado.
Renato Oliveira
Pimentel:
Foi muito bom, apesar
de eu não ter dito "estrangeiro" e sim "desconhecido".
Minha pergunta mais
uma vez é bem simples. Como eu disse, bárbaro não quer dizer estrangeiro. A
palavra estrangeiro no grego é αλλογενης
(allogenes), como foi usada por Jesus
em Lucas 17:18 quando ele diz "Não
houve, porventura, quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?". A palavra
Barbara se refere a "alguém que fala uma língua estranha que não é
entendida por outro". E o que disse sobre indouto é que ela se refere a
alguém que não desenvolveu habilidades em alguma área, nesse contexto o dom de interpretação.
Renato Oliveira
Pimentel:
"Mas,
não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus."
(1 Coríntios 14:28).
Se o dom é para a pregação do
evangelho, então porque Paulo da um conselho tão contrário (aparentemente) ao
propósito do dom?
Luís Roberto de
Souza:
Renato,
Paulo não põe
contradição alguma com a afirmação supracitada. Perceba a reação de Pedro ao
citar o episódio na Casa de Cornélio. Pedro diz que eles bendiziam a Deus. Paulo também
diz sobre louvar a Deus em espírito e com entendimento. Os pentecostais dizem
se tratar de algo que ninguém vai saber ou ninguém vai entender. Daí você pode
afirmar que louvar a Deus e pregar o evangelho não são a mesma coisa, mas não
irá provar biblicamente.
O livro de salmos é
um bom exemplo de que louvores a Deus falam sobre Deus e assim o evangelho é
pregado. Mas respondendo de fato: porquê não haverá a pregação e a ordem do
culto será prejudicada
Renato Oliveira
Pimentel:
Obrigado pela
resposta querido Luís! Não pretendo me ater a discussão de o louvor ser ou não
uma forma de pregação, mas sim ao fato de sendo ele ou não uma forma de
pregação, de nada adiantaria ele louvar/pregar se não havia ouvinte para ser
alcançado por essa pregação! Se o dom, havia sido dado por Deus para o fim de
pregar a palavra, Paulo está equivocado em seu conselho quando diz: "Mas,
não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus." (1 Coríntios 14:28). Mas eu
tendo a acreditar que o equivoco e da sua interpretação e não da do Apostolo
Paulo que escreve Inspirado pelo
Espírito Santo!
Luís
Roberto de Souza:
Renato, você
perguntou:
Se
o dom é para a pregação do evangelho, então porque Paulo da um conselho tão
contrário (aparentemente) ao propósito do dom?
Minha resposta
resumida foi:
Porque
não haverá a pregação e a ordem do culto será prejudicada.
Portanto você não
concordar é diferente de eu não ter respondido.
Mais uma fuga
cinematográfica do contexto. Paulo aqui não quer tratar sobre o que era o dom
de línguas, mas quer normatizar seu uso que estava sendo extrapolado e sem
cumprir seu objetivo. Ora se não há
intérprete logo não há entendimento e se não há entendimento não há culto é uma
lógica simples quando se respeita o contexto.
Qual igreja trás um
estrangeiro para pregar sem quê haja quem interprete? Portanto não há equívoco
em Paulo ele ali como está registrado está tratando com crianças espirituais,
mimadas coniventes com o pecado. Se não há entendimento então cale-se, pois não
haverá pregação da palavra. Paulo faz um uso do extremo para priorizar a
pregação. Paulo estava cerceando a irresponsáveis e prezando pela palavra. Ele
preferia ser entendido. Ele preferia que todos fossem edificados. Quando não há
intérprete nada disso ocorre. Eu respondo esta pergunta dizendo: Paulo prezou
pela pregação.
Para ler a segunda parte, clique aqui.
Sobre os debatedores:
Luis
Roberto de Souza
Casado, 37 anos, Técnico em
Eletrotécnica, graduando em Tecnologia de Construção de Edifícios, possui curso
básico em teologia, estuda teologia de maneira autodidata, é cristão Batista de
tradição histórica. Administrador do Grupo de Estudos "Teologia com
Propósitos". Co-Editor do Blog. Escreve semanalmente sobre o tema:
“Teologia Paulina”. Contato: robertoluissouza78@gmail.com
Renato
de Oliveira Pimentel
Casado, 23 anos, Técnico em
Informática, Bacharel em Teologia pela Faculdade Betesda e Pastor local na
Igreja Assembleia de Deus em Nanuque - MG.
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você gostou deste artigo, está autorizado e incentivado a reproduzir e
distribuir este material em qualquer formato, desde que informe os autores e
cite a fonte. Não altere o conteúdo original e não o utilize para fins
comerciais.
Muito bom esse debate.
ResponderExcluirParabéns a todos.
Onde está o restante do debate? Ainda será postado?
ResponderExcluirSim
ExcluirPr Renato
Sim! Será postado nas próximas segundas-feiras.
ExcluirParabéns aos debatedores. Ótimo debate.
ResponderExcluirmuito , eu estive ausente do gp nesse dia , o nivel foi excelente , houve um pouco de infedelidade intelectual do Renato com relação aos textos mas foi muito bom e proveitoso, parabens aos dois e a gestão do TP.
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