por Davi Faria de Caires*
O homem precisa de um propósito para viver. Todo ser humano tem anseio
pela eternidade, pois Deus mesmo colocou o anseio da eternidade no coração do
homem (Ec 3.11). Todo homem possui um senso de divindade (Sensus Divinitatis).
Todo ser humano busca coisas como verdade, amor, justiça, beleza e
eternidade. Questões sobre a existência, sobre a morte e sobre o propósito
da vida são assuntos que permeiam o coração e os pensamentos do homem, em todo
lugar e toda época. Vivemos, contudo, em um período de crise existencial nessa
geração pós-moderna, onde não há absolutos, onde há ausência de restrições,
onde não existe figura de autoridade. As pessoas vivem sem rumo e sem direção.
Falta um senso de propósito de vida. O espírito do nosso tempo rege que somos
produtos do tempo e do acaso. Imperam em nossos dias o cientificismo, o
naturalismo e o evolucionismo darwinista, que exclui Deus da vida e da
existência cotidiana.
Infelizmente, muitos cristãos, absortos pelo espírito da filosofia
pós-moderna, deixam-se levar por esses valores fluidos, e esquecem-se dos
valores perenes e imutáveis da Palavra de Deus. Muitos sequer consultam o
manual da vida para obterem respostas às suas vidas e à sua existência,
contudo, continuam perguntando: ‘o que estou fazendo com a minha vida?’;
‘porque estou aqui?’; será que minha vida faz alguma diferença no mundo?’.
Muitos até ascendem profissionalmente e economicamente, porém, ainda lhes falta
um senso de propósito.
O Catecismo de Westminster (o Maior e o Breve) e o Catecismo puritano, e
também o mais contemporâneo, Catecismo Nova Cidade, começam com a primeira
pergunta:
Pergunta: Qual é o fim principal do homem?
Resposta: O fim principal do homem é glorificar a Deus e desfrutá-lo
para sempre.
Mas ainda fica a questão: como fazer
isso na prática? Como glorificar a Deus? Como desfrutá-lo? Ora, temos essa
questão respondida na Bíblia, no primeiro capítulo, que responde essas questões
no ato da criação do homem e da mulher. Diz-se que os agentes do FBI dos
Estados Unidos, para inibir a disseminação de moedas falsas, estudam
minuciosamente a moeda. Porém, ao invés de estudarem todos as técnicas de notas
falsas, eles estudam em profundidade as características das cédulas
verdadeiras! Devemos fazer o mesmo. Não precisamos nos perder estudando toda
miríade de falsas definições sobre propósitos de vida produzidos por vãs
filosofias. Devemos nos ater, prioritariamente, pelo que diz a Escritura, sobre
o que ela diz acerca do nosso propósito de vida. Ao estudarmos e deleitarmo-nos
sobre o que diz a Escritura a nosso respeito, seremos capazes de identificar e
discernir os falsos ensinos sobre nossa natureza, sobre nosso propósito e sobre
a família.
A bíblia diz, em Gênesis 1.26-28:
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre
o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E
criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e
enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves
dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.”
O trecho acima focaliza o plano original de Deus para o homem e para a
família. Esse trecho é fundamental, pois estabelece o tríplice propósito para o
qual Deus nos criou. Existem três propósitos nessa passagem que aponta para a
família:
(1) refletir a imagem de Deus;
(2) reproduzir a imagem de Deus e
(3) representar a imagem (reino) de Deus.
Refletir a imagem de Deus
Cristo, de modo perfeito, é o primogênito de toda criação, e a imagem do
Deus invisível (Cl 1.15). O homem também, no ato da criação, foi feito à imagem
de Deus. O valor e a glória do homem consistem no fato de ter sido feito à
imagem de Deus. Logo, o nosso universo está centrado em Deus, e não no homem.
Devemos ter uma abordagem do universo em perspectiva teocêntrica e
teorreferente, ao invés de uma abordagem humanista e antropocêntrica. Deus é o
centro, a causa e o significado primaz do Universo, e não o homem. Isso coloca
em perspectiva correta a visão sobre família. O ponto de vista e o ponto de
partida é sempre Deus, e não o homem. O dever do homem é adorar a Deus (ler
Salmo 29.1,2).
Plural e Singular
Deus criou toda vida vegetal (Gn
1.11,12) e toda vida animal (Gn 1.20-25); cada um conforme a sua espécie. Ou
seja, de forma criativa, Deus imprimiu características novas ao reino vegetal e
ao reino animal, de acordo com suas próprias características peculiares e
inerentes. O termo “conforme a sua espécie” repete-se dez vezes, quando diz
respeito à vida vegetal e à vida animal. E Depois de ter criado os vegetais e
os animais, Deus também criou a vida humana (Gn 1.26). E quais características
Deus imprimiu na raça humana? O texto diz que o ser humano foi criado à imagem
de Deus, conforme a Sua semelhança. Isso não significa que o homem seja um
pequeno deus, ou parte de Deus, mas significa que ele passa a possuir atributos
e caraterísticas que refletem a natureza de Deus e que nenhuma outra criatura
possui – seja do reino vegetal ou do reino animal. O ser humano – o primeiro
casal – foi criado à imagem e semelhança de Deus.
Trindade
O texto usa a palavra ‘façamos’,
conjugado na primeira pessoa do plural, evidenciando um ato criativo da
trindade que atuou em conjunto. A pluralidade de Deus é demonstrada na criação
da pluralidade do ser humano: homem e mulher. A única vez em todo o livro de
Gênesis em que Deus se refere a si mesmo na primeira pessoa do plural é na
criação do ser humano. Isso mostra que o relacionamento entre o homem e a
mulher refletem o relacionamento divino entre as três pessoas da trindade. As
três pessoas da trindade estabelecem papéis diferentes na criação e na redenção
do homem. Isso é um aspecto elementar da teologia. Somente quando o homem a
mulher se unem, em uma só carne, no casamento, é que estão refletindo a relação
de amor do Deus triúno.
Imagem e Semelhança
O termo imagem não diz respeito à aparência física, mas sim diz respeito
à esfera espiritual, intelectual e moral. Neste aspecto, o homem é diferente
dos animais e dos vegetais, e semelhante à Deus. Normalmente, o termo imagem na
bíblia tem o significado de ídolos, que indica algo negativo e reprovado por
Deus. Mas aqui a conotação é diferente. Deus abomina o uso de ídolos, pois sua
representação já é refletida no ser humano! O homem foi criado à imagem de
Deus. O homem não é apenas uma representação de aspectos do ser divino; ele é a
melhor e mais exata representação de Deus na terra. O homem herdou de Deus, na
criação, aspectos e atributos tais como: personalidade, vontade, intelecto,
espírito, emoção, memória e cognição.
Imagem como
comunidade
Vemos, portanto, que há estreitas relações entre a trindade e o ser
humano, quando se unem no casamento. As três pessoas da trindade são distintas,
porém há somente um Deus. Existe absoluta unidade na diversidade dentro da
trindade. Homem e mulher, quando se unem no casamento, são distintos. Porém, de
algum modo, tornam-se uma só carne. Vemos também unidade na diversidade. São
relacionamentos que se complementam. Isso é um mistério. A criação do homem como macho e fêmea
refletem a unidade da trindade, criados por um Deus triúno que se comunica, que
age e que se relaciona.
Algo
faltando
A única vez que ele declarou que algo não era bom na sua criação
original foi depois que ele vê a solidão do homem que criara: “não é bom que o
homem esteja só” (2.18). Contudo, isso não significa que havia algum pecado, alguma
imperfeição ou algum erro. Não havia. Mas havia evidências de que algo estava
faltando. Em outras palavras, faltava a união, a complementaridade e a
intimidade entre o homem e a sua mulher. Somente depois de criar a mulher, Deus
declara: “e viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (1.31).
A obra está encerrada e completa somente depois da criação da mulher para
complementar o homem. A frase contém dois adjetivos, que qualificam
positivamente a avaliação que Deus estabelece sobre sua criação. E, depois de
fazer uma companheira para o homem e estabelecer o primeiro casamento, Deus
encerra sua avaliação, afirmando que era tudo “muito bom”. E para celebrar esse ato criativo, vemos a
primeira poesia na bíblia (v27):
“E criou Deus o homem à sua imagem;
à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.”
Proteção da
imagem a dois
Vemos, portanto, que casamento é coisa séria. O casamento não foi criado
pelo homem. O casamento foi estabelecido por Deus, e reflete verdades
teológicas sérias e profundas. O casamento, tal como Deus o criou, entre um
homem e uma mulher, refletem a magnificência da e expressam características da
própria trindade. Como devemos reagir frente à esta revelação? Em termos
práticos, o relacionamento entre marido e esposa deve ser protegido a qualquer
custo. No casamento, dois são um. Isso é uma sombra, uma parábola de como na Trindade,
três são um.
A configuração que Deus estabeleceu é bem clara: um homem e uma mulher.
Essa é a estrutura elementar da criação. O que passa disso é distorção e
desvio. Outras configurações e combinações não podem ser chamadas de
‘casamento’, pois o casamento é entre um homem e uma mulher.
Ataque
satânico
Em Gênesis, vemos o relato de toda criação de Deus. Com o poder da sua
palavra, e pelo seu ato deliberativo, pela sua própria vontade e pelo seu
próprio poder, Deus criou o tempo e o espaço. Ele criou o universo, criou as
estrelas, o planeta terra, as águas, o reino vegetal e o reino animal. Criou o
homem e a mulher. Em Gênesis vemos o início dos povos, a entrada do pecado no
mundo e o plano de Deus para redenção do seu povo (Gn 3.15).
O casamento faz parte da criação, e é um elemento fundamental da obra de Deus. Tudo o que Deus criou era muito bom,
porém, desde o início da criação, Satanás e seus demônios lutam ativamente para
perverter e distorcer a obra perfeita de Deus. O diabo sempre procura atacar e
desviar esse relacionamento humano estabelecido por Deus: o casamento. Nós, cristãos, devemos estar preparados para combater o bom combate e
defender o próprio casamento e a instituição do matrimônio, a qualquer custo.
Conclusão
O
propósito do casamento é refletir a imagem de Deus. Portanto, Deus faz isso
para a sua própria glória. Quando Deus une duas pessoas no casamento, ele não o
faz pensando primeiramente nelas. Quando Deus une duas pessoas no casamento,
ele está pensando em si mesmo. Lembre-se: o propósito da criação é o próprio
Deus, e não o homem. A visão que devemos ter sobre o casamento deve ser
teocêntrica e teorreferente; não humanista e antropocêntrica. O propósito maior
de Deus para nossos casamentos não é a nossa felicidade. O propósito é bem
maior que isto! O propósito primaz do casamento é refletir a glória de
Deus. O fim principal não é o prazer
próprio, e sim a glória de Deus.
Davi Faria de Caires
Casado, natural de Campinas-SP e residente em Atibaia-SP, acadêmico do Master of Divinity (M.Div) pela Escola de Pastores da Primeira Igreja Batista de Atibaia-SP (EPPIBA). Membro da Igreja Batista Regular no Jd Liza (Campinas-SP). Criador do Grupo de Estudos Teologia com Propósito®.