segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Glossolalia ou Xenoglossia? [PARTE 3]





Transcrição do debate entre os teólogos Luís Roberto de Souza e Renato Oliveira Pimentel, sob o tema: "Glossolalia ou Xenoglossia?", ocorrido dia 22 de Outubro de 2016 no Grupo de EstudosTeologia com Propósito”.

         Veja abaixo a posição de cada teólogo neste tema:

Luís Roberto de Souza:
“Neste debate vou defender o dom de línguas como a xenoglossia, ou seja, creio que em toda a referência que a Bíblia faz deste dom é uma manifestação de um dom que consiste em o cristão falar em um idioma humano sem ter aprendido previamente. Tal capacitação é o chamado dom de línguas referenciado por Lucas em Atos, Marcos no evangelho e Paulo na sua primeira carta aos Coríntios.”


Renato Oliveira Pimentel:
“Eu irei defender a Glossolalia, que inclusive é uma palavra que se encontra nas escrituras gregas em detrimento de Xenoglossia que não se encontra. Pretendo para isso me ater à hermenêutica e exegese bíblica, somente, dispensando, portanto todo empirismo envolto no assunto.”


Confira abaixo o desenvolvimento da terceira parte deste debate, onde os debatedores participam respondendo as perguntas enviadas por membros do grupo que estiveram acompanhando o debate ao vivo.

Para ler a segunda parte deste debate, clique aqui.



O que é Glossolalia? – Pergunta enviada por Robson Budib
Renato Oliveira Pimentel: Glossolalia é uma palavra grega que quer dizer "falar/orar em línguas" ou "emitir sons com a língua". Teologicamente falando, é o dom de orar em línguas, dado por Deus para a edificação dos santos.


O que é Xenoglossia? – Pergunta enviada por Robson Budib
Luís Roberto de Souza: Xenoglossia não é um termo bíblico. É uma conclusão lógica sobre as narrativas bíblicas em Atos e 1 Coríntios. Consiste na capacitação especial do Espírito Santo dada a um eleito para falar um idioma humano não estudado previamente. O maior exemplo desta capacitação está relatado por Lucas em Atos 2. E tem sua prática normatizada por Paulo mediante seu uso indevido em Corinto. A palavra em si vem do grego xen(o) diferente glosa língua "Línguas diferentes" ou "Línguas estranhas", como alguns preferem.


Pergunta enviada por Cleuberth Lima (Icatu/MA):
         Renato,

As palavras gregas empregadas no contexto do dom de línguas, são: glossa (Segundo Strong: língua como membro, órgão da fala, língua, idioma, dialeto usado por um grupo particular de pessoas) e dialekto (Segundo Strong: dialeto, fala, língua, língua própria de cada povo). Em Atos 2, está registrado que os crentes falaram em outras glossas (v. 4), mas também está registrado que falaram em outros dialektos (v. 8). Não há dúvidas, pela leitura cuidadosa, que as línguas (glossas/dialektos) faladas ali eram outros idiomas: “E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?” (Atos 2.8,11). Em 1 Coríntios 14, apesar de não aparecer a palavra grega dialekto, Paulo nos fornece diversas informações que deixam claro que, falar em outras línguas, é o mesmo que falar em outros idiomas, como aconteceu em Atos 2. Ressaltando a importância da interpretação, Paulo está dizendo (vs. 10,11) que há muitos modos de falar NO MUNDO (vejam que ele não está pensando em algo para além do mundo), afirmando que todos têm significado (isto é, são cognoscíveis), e conclui dizendo que, se ele não entende o significado, a situação será semelhante à um estrangeiro que não sabe falar em português tentando entregar uma mensagem para um brasileiro que também não entende o idioma daquele estrangeiro; não haverá comunicação.

Paulo disse que falava em outras línguas mais do que todos os seus destinatários (v. 18); estaria ele querendo dizer que falava mais línguas não humanas do que aqueles crentes? Ele concluiu este argumento dizendo que preferia falar cinco palavras com ponderação a fim de instruir seus ouvintes, do que falar dez mil palavras em outra língua (importante: outra língua - no singular), ou seja, do que falar dez mil palavras em outro idioma qualquer, dentre aqueles tantos que ele sabia falar. Nesta parte, usa-se a expressão grega glossan (língua no singular), assim como em Apocalipse 14:6: “Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo”. Obviamente, no Apocalipse, glossan (língua) é uma referência aos povos de muitos idiomas espalhados pelo mundo (aos muitos modos de falar).

Falando sobre o propósito do dom de línguas, Paulo cita uma profecia que, claramente, trata de outros idiomas humanos: “Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens de outras línguas e por lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor” (v. 21). É óbvio que Paulo não está afirmando que aqueles homens mencionados na profecia falariam em línguas não humanas. Veja o texto fonte escrito na Lei: “O SENHOR levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá, como o vôo impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás” (Deuteronômio 28:49).

Mas, Paulo não disse que a pessoa que fala em outras línguas está falando em ministério e fala a Deus e não aos homens? Sim, ele disse! Veja: “Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios.” (v. 2). A interpretação plausível é: A pessoa que está falando em outro idioma e não é capaz de interpretá-lo ― no meio da Igreja onde também não há quem possa interpretar ―, está falando em mistério para todos “visto que ninguém o entende”. Nesse caso, nem a pessoa que fala, nem as pessoas que a ouvem, conseguem entender o que ela está dizendo, exceto Deus. É por isso que Paulo diz que ele “não fala a homens (não está ocorrendo uma comunicação com os demais irmãos ali presentes), senão a Deus”, visto que Deus compreende tudo o que se fala em todo e qualquer idioma.

Renato, diante do acima exposto, pergunto-lhe:

Além do olhar fixo e isolado na parte do verso "1" que diz: "não fala a homens, senão a Deus", que outras razões hermenêuticas você enxerga na passagem completa para defender que o falar em línguas estranhas (estrangeiras) aí não equivale a falar em outros idiomas distintos dos idiomas maternos daqueles que estavam a falar?


Renato Oliveira Pimentel:
A pergunta está baseada em pressupostos falsos que devem ser desmontados. Por isso vou dividir a pergunta e responder por partes:

Parte 1 - “Em Atos 2, está registrado que os crentes falaram em outras glossas”
Na realidade, não é isso que está escrito. Está escrito que eles falaram em "heteros glossa" e esse termo "heteros" pode tanto ser outra, quando tem a definição seguinte: "algo que não é da mesma natureza, forma, classe, tipo, diferente". Então, pode-se traduzir que eles estavam falando língua diferente!

Parte 2 - “mas também está registrado que falaram em outros dialektos (v. 8)”
Na realidade não está! O que está escrito no versículo 8 é que os ouvintes, os "entenderam" ou "ouviam" nos seus próprios "dialektos". Mas em momento algum diz que eles estavam falando nesses dialektos!

Parte 3 - “Paulo está dizendo que há muitos modos de falar NO MUNDO (vejam que ele não está pensando em algo para além do mundo), afirmando que todos têm significado (isto é, são cognoscíveis)”
Ele está fazendo uma comparação, para falar sobre a importância de se entender o que é dito e que quando não pode ser compreendido, o outro não é edificado, mas não se esqueça que ele continua afirmando que nesse caso, aquele que fala, é edificado sim! (vs. 4). Se não servisse para outra coisa que não para ser uma tradução simultânea da pregação, isso não aconteceria. E quando ele usa esse exemplo, em nenhum momento ele está dizendo que o dom de orar em língua é uma língua do mundo! Como você mesmo disse, a palavra dialektos, nem sequer é citada...

Parte 4 – “Paulo disse que falava em outras línguas mais do que todos os seus destinatários (v. 18); estaria ele querendo dizer que falava mais línguas não humanas do que aqueles crentes?”
Eu acredito que quando ele diz que fala "mais" línguas do que os outros irmãos, ele está se referindo ao nível e intensidade do dom que está mais aperfeiçoado nele do que nos outros irmãos... Até porque no vs 19 quando ele continua, ele diz que prefere falar poucas palavra "que ele entenda" dando assim a entender, que as "muitas línguas" que ele falava, não eram idiomas que ele havia aprendido ou que passou a conhecer por uma xenoglossia.

Parte 5 - “Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens de outras línguas e por lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor.” (v. 21). É óbvio que Paulo não está afirmando que aqueles homens mencionados na profecia falariam em línguas não humanas. Veja o texto fonte escrito na Lei: “O SENHOR levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá, como o vôo impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás;” (Deuteronômio 28:49).
Se o seu método de interpretação for literal, então você vai ter que discordar de Paulo quanto ao cumprimento dessa profecia, pois ela se cumpriu literalmente no cativeiro quando os povos do Norte que falavam aramaico destruiu o povo de Deus. Existe uma certa ambiguidade que deve ser levada em consideração.

Parte 6 – “Além do olhar fixo e isolado na parte do verso "1" que diz: "não fala a homens, senão a Deus", que outras razões hermenêuticas você enxerga na passagem completa para defender que o falar em línguas estranhas (estrangeiras) aí não equivale a falar em outros idiomas distintos dos idiomas maternos daqueles que estavam a falar?”
O verso não é o 1°, é o 2! Mas não posso ignorá-lo, visto que é tão explícito em dizer do que se trata o assunto. Mas além do fato de ele dizer que "quem fala em línguas não fala aos homens (e não diz: aos homens presentes. Diz que não fala aos homens)" ainda tem alguns outros, como por exemplo, o já citado fato de a bíblia afirmar que quem fala/ora em línguas edifica a si mesmo quando o faz. Ora, se o dom foi dado para a pregação da palavra, sendo assim um dom de "tradução simultânea", porque o fato de pregar sem ter ninguém para ouvir seria edificante?
Outro detalhe que deve ser observado é o conselho de Paulo: "Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus." Porque raio o Espírito Santo, que é uma pessoa inteligente iria inspirar uma pessoa a falar num dom de tradução simultânea sendo que não tinha ninguém para ouvir? E aos que dizem que Paulo está dizendo isso só pra isolar, isso é descrédito a palavra de Deus, a sua inspiração e a sua atualidade!
Entre outros [pontos] que acabaria por tomar muito tempo, mas acredito ter sido satisfatório em minha resposta.



Sobre os debatedores:
Luis Roberto de Souza
Casado, 37 anos, Técnico em Eletrotécnica, graduando em Tecnologia de Construção de Edifícios, possui curso básico em teologia, estuda teologia de maneira autodidata, é cristão Batista de tradição histórica. Administrador do Grupo de Estudos "Teologia com Propósitos". Co-Editor do Blog. Escreve semanalmente sobre o tema: “Teologia Paulina”. Contato: robertoluissouza78@gmail.com


Renato de Oliveira Pimentel
Casado, 23 anos, Técnico em Informática, Bacharel em Teologia pela Faculdade Betesda e Pastor local na Igreja Assembleia de Deus em Nanuque - MG.


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