quarta-feira, 2 de março de 2016

Desafios à Pneumatologia Pentecostal




  
Por Luís Roberto de Souza*


         A abordagem feita pela teologia pentecostal carece de apoio nas cartas apostólicas, na história da igreja e na teologia cristã. Uma análise feita a partir dos pilares da teologia cristã evidencia as lacunas quanto à interpretação sobre a ação do Espírito Santo na igreja. Lacunas estas que os defensores do pentecostalismo, como pregado desde os eventos da Rua Azusa em Los Angeles, no início do século XX, precisam responder para se firmarem como uma interpretação ortodoxa sobre o assunto.

Este artigo tem como objetivo levantar tais questionamentos acerca da ausência de paralelos doutrinários, históricos e teológicos que a visão pentecostal apresenta quando confrontada com quase vinte séculos de existência da igreja de nosso senhor Jesus Cristo.


Introdução
Desde sua fundação, a igreja tem como alicerce de fé e regra a bíblia. Santa, perfeita e incapaz de erro, ela dá luz aos questionamentos doutrinários e justifica as práticas do culto cristão. Com os ensinamentos bíblicos, o homem recebe o Espírito Santo como garantia divina de que está salvo (cf. efésios 1:13,14). Sem a observância da palavra não há o conhecimento de Deus para o cristão.

A teologia bíblica é o meio pelo qual a igreja interpreta a ação de Deus e suas relações com a humanidade, desde antes da criação do mundo até a eternidade vindoura.

Com o decorrer da história da igreja o entendimento teológico se apresenta de maneira paradoxal no que diz respeito a seu conteúdo, pois se por um lado verdades cruciais para a manutenção da salvação são imutáveis, por outro lado encontram-se abordagens que surgiram a fim de tratar de assuntos de determinada época, dando dupla natureza à teologia que pode ser definida como uma disciplina estática e dinâmica, simultaneamente.

A tradição, por meio dos credos, vem para ratificar o entendimento apostólico para preservação da sã doutrina pura e acessível a toda igreja, de geração em geração, considerando que “os credos históricos não partilham da autoridade final das escrituras, mas todas as tradições evangélicas seguem os reformadores na crença que os credos antigos são na verdade um resumo fiel das escrituras e fielmente tiram suas implicações” (Noble, 2015 pág. 22).

Uma leitura crítica da bíblia, mais especificamente das cartas doutrinárias e dos evangelhos, passando pelos credos que representam o entendimento que a igreja tem sobre o ensino apostólico e apoiando-se na lacuna histórica existente entre os eventos descritivos de Atos dos Apóstolos e os relatados no início do século XX, resultam em um grande desafio , de alta dificuldade, ao qual os teólogos pentecostais precisam responder, visando a abordagem feita sobre a ação do Espírito Santo em uma ortodoxia fundamentada e com bom argumento teológico.


Primeiro desafio: o silêncio bíblico
A afirmação pentecostal de que o batismo com o Espírito Santo é uma experiência subsequente à salvação ou:


“é um revestimento de poder do alto, com a evidência física inicial de línguas estranhas, conforme o Espírito concede, pela instrumentalidade do Senhor Jesus, para o ingresso do crente numa vida de mais profunda adoração e eficiente  serviço para Deus” (Gilberto, 2008 pág. 191).


O ensino apostólico é rico em explicações, comparações com tipos presentes no velho testamento, metáforas que exemplificam e tornam as ordenanças deixadas para a igreja claras e evidentes.

Os defensores da paracletologia pentecostal precisam apontar quais são as referências neotestamentárias a respeito da segunda benção a ser recebida. As cartas doutrinárias são as explicações teológicas acerca de tudo referente à fé cristã: os evangelhos, contendo os sermões de Cristo seus milagres e suas explicações acerca da lei, e o livro de Atos dos Apóstolos, com seus sermões dão à igreja uma visão clara sobre o batismo com o Espírito Santo.

Antes de afirmar que o batismo com o Espírito Santo é algo distinto da salvação, a teologia pentecostal precisa se desprender dos fatos relatados em Atos dos Apóstolos, tidos como paradigmas, e adentrar às cartas ou aos evangelhos que contêm textos didáticos e explicativos.

A composição dos livros aceitos pela igreja como inspirados e livres de erros não dão caráter doutrinário a um fato, ou a um conjunto de fatos, simplesmente por apresentarem aparentes semelhanças.

Quanto a esta diferença entre textos descritivos e explicativos, Jonh Stott  afirma: “digo porém que o texto descritivo tem valor somente até o ponto em que é interpretado pelo que é didático” (Stott, 1964, pág. 18).

O perigo deste método está na singularidade inerente a cada fato narrado, ao contexto histórico, ao período de transição que a igreja vivia, pois, se um fato narrado em Atos necessariamente deve ser constituído como exemplo doutrinário, então se abre precedente para que todos os demais também sejam tomados como doutrina e, a partir desta, a prática da doutrina apostólica torna-se inviável do ponto de vista bíblico como um todo, já que estabelecer padrões normativos baseados em eventos, como o evangelístico ocorrido entre Felipe e o eunuco, a conversão de Paulo e o carcereiro de Filipos, trariam à tona um perfil impraticável quanto à genuína conversão.

Em relação aos textos de Atos, um simples olhar histórico dará ao leitor a percepção da revelação contínua e progressiva da obra do Espírito Santo, a necessidade de concerto entre judeus e samaritanos com certificação apostólica, a abertura do evangelho aos gentios e a conclusão da obra dada aos últimos crentes que ainda esperavam o Messias.

Com este simples argumento, fica exposto que os derramamentos do Espírito, relatados em Atos dos Apóstolos, devem passar pelo crivo das cartas doutrinárias, dos evangelhos e dos escritos veterotestamentários para que um conceito bíblico de Batismo com o Espírito Santo seja extraído da bíblia.


Segundo desafio: a lacuna histórica
Considerando a história da igreja, a teologia pentecostal precisa identificar onde a doutrina da segunda benção foi praticada, pois qualquer tratado teológico sobre a história da igreja cristã não fornece de maneira clara a compreensão de que os eventos da Rua Azusa foram os pioneiros dessa natureza.

Em uma breve pesquisa utilizando ferramentas de busca on line ou a literatura acadêmica sobre a história da igreja como disciplina, oferecem uma visão panorâmica quanto ao silêncio histórico sobre o batismo com o Espírito Santo sendo abordado segundo a teologia pentecostal.

Não há relatos dos historiadores acerca de avivamentos baseados na segunda benção ou algo que remeta ao pentecostalismo atual.

A própria teologia pentecostal assume esta vanguarda, desqualificando o evangelho pregado por séculos na declaração de um renomado teólogo pentecostal: “através desta verdade, ressurgida na Rua Azusa em Los Angeles, no início do século passado, os pentecostais vêm anunciando o evangelho completo de nosso Senhor Jesus Cristo em todo o mundo”  (Gilberto, Lições Bíblicas, CPAD, 2009).

Com tal assertiva, surgem questionamentos inevitáveis como: O evangelho pregado antes da Rua Azusa teria sido incompleto?

Os avivamentos históricos na Europa e na América, que datam de antes destes eventos, não evidenciaram tais manifestações, sendo assim pode-se considerar que foram incompletos, considerando o ponto de vista teológico e espiritual?

Pelo exposto, concluo este desafio pedindo, humildemente, que os defensores da teologia pentecostal apresentem fatos que possam coadunar o avivamento da Rua Azusa com quase vinte séculos de existência da igreja, uma vez que, até onde é pesquisado, não há relatos de nenhuma alusão à segunda benção, até mesmo por parte dos grandes avivalistas.


Terceiro desafio: o silêncio dos teólogos
Como afirmado anteriormente, a teologia cristã é dinâmica no sentido de estar a serviço de mudanças de culturas, costumes, e quando precisar sair em defesa da fé genuína.

No entanto, questões tratadas desde os primórdios da teologia que são inerentes à salvação, possuem natureza universal e imutável, como a justificação pela fé, que foi um dos pilares reerguidos pela reforma, pois corriam o risco de se perderem com o passar do tempo.

A teologia praticada desde os teólogos patrísticos, os medievais, os reformados e as escolas seguintes até o início do movimento pentecostal, sempre apresentaram a obra do Espírito Santo, no que diz respeito aos dons, basicamente da mesma maneira, com poucas variações, mas não há registros na literatura anterior ao movimento pentecostal de nenhuma alusão que possa ter conexão ao pensamento pentecostal atual.

Estariam os teólogos equivocados por quase vinte séculos? Por que o pilar do evangelho completo, como requerido por Gilberto, só fora dado a partir da Rua Azuza?


Considerações finais
Não é objetivo deste artigo questionar a genuinidade da experiência pentecostal nem tampouco excluir a pneumatologia praticada por seus seguidores, tais questionamentos surgem após uma breve reflexão sobre os argumentos teológicos que, baseados em narrativas, fizeram abordagens que não são identificáveis nas cartas doutrinárias, nos evangelhos, na tradição histórica da igreja e estão ausentes nos escritos teológicos, em quase vinte anos de estudos.

Finalizo meu argumento desejoso de respostas bíblicas, teológicas e históricas necessariamente nesta ordem.


Referências bibliográficas
Gilberto, A. (2008). Teologia Sistemática Pentecostal (2ª edição ed.). Rio de Janeiro: CPAD.
_________. (2009). Lições bíblicas CPAD. Jovens e Adultos.
Noble, T. A. (2015). Trindade Santa Povo Santo a teologia da Perfeição Cristã. Maceió : Editora Sal Cultural.
Stott, J. (1964). Batismo e Plenitude do Espírito Santo (3ª edição ed.). São Paulo: Vida Nova.


Sobre o autor:
Luis Roberto de Souza, Casado, 37 anos, Técnico em Eletrotécnica, graduando em Tecnologia de Construção de Edifícios, possui curso básico em teologia, estuda teologia de maneira autodidata, é cristão Batista de tradição histórica. Administrador do Grupo de Estudos "Teologia com Propósitos". Co-Editor do Blog. Escreve semanalmente sobre o tema: “Teologia Paulina”. Contato: robertoluissouza78@gmail.com


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