Jesus e a mulher samaritana (João 4)
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Por Daniel Vicente*
[Continuação...]
NOVO TESTAMENTO
No Novo Testamento a formação sob o governo Romano, incluía a Samaria dentro da região da Judeia, e na transição dos governos temos que ressaltar que
entre o governo Persa e o Novo Testamento, ocorreu o período de governos que
estão relacionados com essa questão, o tempo helênico de Alexandre e seus
sucessores os selêucidas e os asmoneus, dentro do período chamado Inter bíblico entre o
Antigo Testamento e
Novo.
Norman K. Gottwald comenta
sobre esse período:
De acordo com o conflito rancoroso
e crescente entre judeus Samaritanos e judaístas desde os tempos exílicos, os Samaritanos haviam oferecido resistência, recentemente,
tanto aos selêucidas como aos asmoneus.
Ao acertar antigas contas, Hircano ratificava um rompimento irreconciliável
entre as duas comunidades. (GOTTW ALD,
1988, p. 317)
O rei Judeu João Hircano destruiu a cidade de Samaria e o Templo de situado em Garizim no ano de 128 A.C, o que fez com que as relações étnicas ficassem inconciliáveis, falando sobre os Judeus.
Juan Mateos e Juan Barreto citando Grundmann Leipoldt, diz que eles
interpretavam os Samaritanos da seguinte forma:
“Samaria era uma região considerada pelos
judeus como heterodoxa, raça de sangue
mestiço e de religião sincretista. Existia entre os dois povos profunda
inimizade; os judeus desprezavam os samaritanos, e chamar alguém por este nome era dos piores insultos(8,48). Os Judeus tinham destruído o templo samaritano do monte Garizim (128 a.c), o que exacerbava o ressentimento.
Nos tempos do procurador Copônio (6-9 d.C.) alguns samaritanos haviam profanado o templo de Jerusalém, durante as festas da Páscoa, espalhando ossos
humanos nos átrios. Por isso se lhes proibiu o acesso ao templo” (MATEOS,1989. p. 218,219)
Essa informações mostram o quanto a crise social era caótica quanto ao relacionamento entre as comunidades, o comentarista Johan Konings (1997, p. 29) em seu livro “Descobrir a Bíblia a partir da Liturgia” tece um comentário interessante, ele diz que “os
Judeus veem nos
Samaritanos seus piores inimigos”.
Klyne Snodgrass acrescenta:
Os judeus
acreditavam que os samaritanos eram um povo que tinha uma
ancestralidade duvidosa e uma teologia imprópria. Eles eram considerados descendentes de povos trazidos pelos assírios (e outros conquistadores) com
o objetivo de colonizar a terra. Eles eram monoteístas,
aceitavam a Torá e defendiam que o templo verdadeiro ficava no monte Garizim. Eles,
obviamente, tinham algumas convicções comuns com os saduceus,
e na sua rejeição do Templo de Jerusalém se assemelhavam à comunidade de
Qumran. (SNODGRASS, 2010.
p. 486)
A contenda também é citada pelos evangelhos, em várias passagens o conflito é identificado como um problema social existente, Jesus no evangelho de
Mateus cita aos discípulos a seguinte ordem: “A estes doze enviou Jesus, dando- lhes as seguintes instruções: Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade
de
Samaritanos;” (BÍBLIA, N.T. Mateus 10:5 ARA) nesse texto e identificado o
pensamento Judeu inserido na mente dos discípulos que identificavam Samaria
como terra também dos gentios, como Cristo ainda não tinha completado sua obra
sobre a terra, a ordem visa que a mensagem deve primeiramente chegar ao povo Judeu, para depois ser levada aos gentios, os quais incluíam Samaria um local
gentio.
Esse não é o único texto que o contexto histórico social da disputa e
sinalizado, também o texto do evangelho de Lucas mostra o sentimento dos
discípulos pela região
de Samaria, assim diz o texto:
“Entraram numa aldeia de samaritanos para lhe preparar pousada.
Mas não o receberam, porque
o aspecto dele era de quem, decisivamente,
ia
para Jerusalém. Vendo isto,
os discípulos Tiago e João perguntaram: Senhor, queres
que mandemos descer fogo do céu
para os consumir?” (Lc
9:52-54 ARA)
O documento apresenta os dois discípulos que após não serem recebidos na
cidade de Samaria, pedem a Jesus Cristo que este envie fogo do céu para consumir as pessoas ali presentes, um sentimento que é decorrente também do conflito
religioso relacional, que ainda
estava
presente no coração
dos
seguidores de Jesus.
Segundo W illiam Hendriksen esse sentimento e repetitivo:
“Os sentimentos negativos dos judeus
em relação aos samaritanos podem ser
percebidos em passagens
como 8.48 e o livro apócrifo de eclesiástico
50.25,26. A atitude igualmente hostil dos samaritanos em relação aos judeus
é mostrada em Lucas 9.51-53. A bondade e a misericórdia de nosso Senhor cruzou as fronteiras
do ódio nacional, como vemos em João 4 e Lucas 9.54,55; 17.11-19 e na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-37)”.
(HENDRIKSEN.
2004. p. 216)
Outro texto que é rico para essa abordagem e o exemplo do próprio Cristo no relato do evangelho de João 4, esse evangelho que foi escrito “em formato poético”
segundo Raymond E. Brown (2004, p. 459) encontra-se o diálogo de Jesus com
uma mulher samaritana, onde Jesus Cristo rompe as barreira pré-conceituais,
contidos nos dois grupos.
Fyvie Frederick Bruce comenta sobre as diferenças religiosas e cultuais, que
são
citadas no evangelho de João.
“As diferenças religiosas entre Judeus e Samaritanos eram sérias e tinham raízes profundas. A separação entre Samaria e Judá, no tempo da
monarquia hebraica, poderia ter sido consertada depois do cativeiro babilónico, mas os judeus que retornaram do exílio rejeitaram uma oferta de cooperação da parte dos samaritanos, suspeitando da sua pureza racial e religiosa...
Muitos judeus nem sonhariam em pedir um favor a um samaritano, temendo
incorrer em impureza ritual. Estes escrúpulos eram ainda maiores quando se
tratava de uma mulher, porque um número considerável de judeus deve
ter tido o posicionamento, que se tornou lei religiosa uma ou duas gerações depois, de que todas as mulheres samaritanas deveriam ser consideradas
em estado perpétuo de impureza cerimonial. A surpresa desta mulher samaritana era
compreensível.” (BRUCE, 2004, p. 97,98)
Jesus Cristo no colóquio vence essas barreiras, e exibi uma expressão
diferente da qual a mulher identificava o povo Judeu, o que proporciona uma nova etapa no entendimento dos discípulos que veem o seu mestre rompendo os
obstáculos sociais da
diferença étnica.
Fyvie Frederick Bruce
completa ressaltando
a importância da ação de Jesus:
Para um judeu, isto envolveria um risco de contaminação cerimonial, mesmo se o possuidor do jarro fosse um homem samaritano; o fato de o possuidor ser uma mulher tornava o risco uma certeza, do
ponto de vista de um judeu estritamente observante da lei. Não é de admirar que o pedido de Jesus
tenha deixado a mulher atônita; pedindo um favor destes
a ela, ele tinha demonstrado uma boa vontade totalmente inesperada. (BRUCE, 2004.
p. 98)
Assim com atitude de Jesus de pedir a ela água, faz com que as diferenças sejam colocadas por terra, e ele tenha liberdade de conversar com ela e revelar sua identidade messiânica, que faz com que o sentimento de união nas comunidades possa ser restaurado, no diálogo desenvolvido no texto a mulher várias vezes muda o sentido da conversa, como ressalta Raymond E. Brown (2004, p. 471) que diz assim sobre a maneira da mulher “confrontada com tão surpreendente
conhecimento de sua situação, a mulher finalmente passa para um nível religioso,
procurando evitar provas ulteriores, levantando uma polêmica teológica entre Judeus e Samaritanos”. Essa atitude por parte da mulher tendia aflorar o sentimento de disputa existente nas comunidade, o olhar de julgamento inicial dela ao Judeu com quem estava dialogando, estava contido com o sentimento de disputa em seu intimo,
no
fim do diálogo, ela se identifica com as palavras de Jesus, e recebe a sua revelação com o Cristo.
Brown ainda orienta quanto a essa passagem ser a identificação de uma
terceira comunidade onde Judeus e Samaritanos estão em harmonia:
“Provavelmente essa história reflete a história joanina na qual os samaritanos vieram a fazer parte da comunidade, juntamente com os judeus,
mas isso está implícito. O mais óbvio é o permanente tema da substituição (aqui, da
adoração no templo) e o contraste entre a fé mais aberta dos samaritanos e a crença menos adequada daqueles que de Jerusalém” (BROW N, 1975, p.
471)
Esse sentimento era fruto de uma restauração é identificada na ação dos discípulos após evento de João capitulo 4, onde no desenvolvimento dos evangelho
e após a inauguração da igreja em Atos dos Apóstolos os discípulos, que viram o
exemplo de Jesus Cristo, agora seguem o exemplo deixado e o texto de Atos dos
Apóstolos registra que “voltaram para Jerusalém e evangelizavam muitas aldeias dos Samaritanos.” (BÍBLIA, N.T. Atos dos
Apóstolos 8:25 ARA)
CONCLUSÃO
O relacionamento entre Judeus e Samaritanos no primeiro século, ainda
provoca grande discussão, no período do novo testamento permanece em foco a
ação de Jesus Cristo que sabia do debate entre as etnias, e no diálogo com a
Samaritana rompeu as barreiras existentes, e fez surgir um sentimento no coração
dos discípulos de amor que uniu a sociedade cristã, que no centro da comunidade
joanina era composta de Judeus e Samaritanos.
REFERÊNCIAS
BROW N, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento / Raymond E. Brown; Tradução Paulo F. Valério. – São Paulo: Paulinas, 2004. – (Coleção Bíblia e
História. Série Maior)
BROW N, Raymond Edward. Evangelho de João e epístolas. São Paulo: Paulinas,
1975.
BRUCE. F.F. João. Introdução e Comentário. / F.F. Bruce; Tradução Hans Udo
Fuchs. Edições
Vida Nova. São Paulo.2004.
DUFOUR, Leon Xavier. Leitura do
Evangelho de João. /Leon Xavier Dufour;
Tradução de Johan Konings, Isabel Leal Fontes Ferreira. Edições Loyola. São Paulo. Brasil.1996
GOTTWALD, Norman K., Introdução socioliterária
à Bíblia hebraica / Norman K.
Gottwald; Tradução de Anacleto Alvarez. — São
Paulo: Paulinas, 1988.
HENDRIKSEN, W illiam. O Evangelho de João. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2004.
JOSEFO, Flávio. História dos hebreus: obra completa. CPAD, 1992.
KONINGS, Johan. Descobrir a Bíblia a partir da Liturgia. Edições Loyola, São
Paulo. Brasil. 1997.
KONINGS, Johan. Evangelho segundo João - Amor e fidelidade. Edições Loyola,
São Paulo. Brasil. 2005.
MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O evangelho de São João. São Paulo: Paulinas,
1989.
SCHMIDT. Francis. O Pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran. Edições Loyola. São Paulo. Brasil. 1998.
SNODGRASS, Klyne. Compreendendo todas as Parábolas de Jesus/ Klyne
Snodgrass; Tradução de Marcelo S. Gonçalves. CPAD. Rio de
Janeiro. 2010.
STEGEMANN, W. Ekkehard. História Social do Protocristianismo/Ekkehard w. Stegemann e Wolfgang Stegemann: Tradução de Nélio Schneider – São Leopoldo. RS:Sinodal:São Paulo. SP; Paulus,2004.
THOMPSON. Jonh A. Bíblia e a Arqueologia / Quando a ciência Descobre a fé. Editora Vida Cristã.
Sobre o autor:
*Daniel Vicente. Membro da
Igreja Assembleia de Deus em Pinhais, Superintendente de Escola Dominical da
IEAD em Pinhais, Professor do Curso Ministerial ENSINAI, Professor do Curso
Ministerial IBADEP. Professor-Tutor do Curso de Teologia Ministerial da
Faculdade São Braz (FSB). Bacharel em Teologia pela Faculdade Cristã de
Curitiba (FCC), Pós Graduado em Educação a Distância pela Faculdade São Braz
(FSB), Pós-graduado em Metodologia do Ensino Religioso pela Faculdade São Braz
(FSB) Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUC-PR). Escreve semanalmente neste
Blog sobre os temas: "Exegese" e "Teologia Joanina".
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